Lu Araújo: a senhora MIMO

O encontro ficou marcado para o Parque da Cidade, no Porto, alguns dias depois da terceira edição do Mimo de Amarante. O tempo decorrido após o fim do festival não tinha permitido, ainda, a Lu Araújo o distanciamento suficiente para reunir com a sua equipa e, em conjunto, fazerem uma avaliação do evento, sendo que esta é uma ação obrigatória, que permite detetar erros e corrigir estratégias, confirmar procedimentos, valorizar os aspetos positivos da organização e tomar decisões.

Mas, não obstante não ter ainda o feedback dos seus colaboradores, Lu parecia segura do êxito do terceiro Mimo em Amarante, com base, até, em dois indicadores importantes: localmente foi anunciado, logo no encerramento do festival, a garantia da sua realização até, pelo menos, 2021; e o facto de o número de espectadores ter crescido para os 70 mil.

Lu mostrava-se reconfortada, feliz e a conversa decorreu, distendida, ao longo de duas horas, obviamente com o Mimo em pano de fundo. Quinze anos depois do primeiro festival, em Olinda, e quando a segmentação tende a ser palavra de ordem, ela parece continuar apostada em provar a quadratura do circulo. 

“O mundo – disse Lu a AMARANTE MAGAZINE – está cada vez mais fechado em nichos. Eu estou indo na contramão. No Mimo, eu ofereço world music, jazz ou pop e esta é, de facto, uma fórmula vencedora, como o demostram as 70 mil pessoas que estiveram em Amarante. E você vê diferentes gerações partilhando a plateia. E dançando: os filhos e os pais curtindo a mesma música. O Mimo é um festival família. Quando apresento o Mimo a potenciais patrocinadores e lhes falo dos públicos que o festival agrega, eles não acreditam. Só vendo. E não esqueça que o Mimo não é apenas música, é também cinema, poesia, formação… Temos workshops e fórum de ideias!

Em três anos, o Mimo de Amarante quase que triplicou o número de espectadores e, entre convidados, artistas, e elementos da produção, envolveu, em julho passado, mais de 500 pessoas. Só a orquestra chinesa, que deu um concerto na igreja de S, Gonçalo, tinha 60 executantes. “Uma boa parte do Mimo de Amarante, explica Lú, é feita no Brasil, onde tenho 14 funcionários. Aqui, tenho quatro, cinco. Eu diria que  no Mimo de Amarante trabalham o ano inteiro, em permanência, 20 pessoas. Mas essa é apenas uma parte, aquela que põe a estrutura de pé. Depois entra a comunicação, que tem a tempo inteiro dois assessoras de imprensa, e, durante o festival, seis elementos para a cobertura em vídeo, mais três ou quatro para fotografia. Depois tem a logística, a técnica, a segurança… Muita gente!

Apesar da dimensão que o Mimo atingiu em Amarante, Lu não está certa de que o festival seja o maior evento da cidade. “As Festas de Junho são bem grandiosas”, diz, confessando que “gostaria de colaborar na sua realização, para ajudar, sem descaracterizar. O despique de bombos, por exemplo, é fantástico, mas precisa de organização, há confusão a mais. E fico triste por ver o Ribeirinho todo cercado de diversões, sem que as pessoas possam, sequer, ver o rio”.

Uma mulher do mundo

Mas quem é esta mulher que se alimenta de música, que acha Portugal um país machista, que vive pelo mundo, mas pondera ter uma casa em Amarante?

Lu Araújo nasceu em S. Paulo há 53 anos e aí morou até aos oito. Seu pai geria, no Brasil, uma multinacional e viajava muito. A família acompanhava-o e acabou por fixar-se no Rio de Janeiro, onde o progenitor abriu uma loja de discos, que chegou a ter oito mil títulos. Quando está no Brasil, é no Rio de Janeiro que Lu continua a morar, tendo casa perto do centro da cidade, numa zona onde habitam artistas, escritores, jornalistas. Tem ali a sua tribo.

Respirando música desde muito cedo, Lu começou, porém, como fotógrafa, tinha, então, 16 anos, acompanhando artistas e documentando os seus espetáculos. Há muito tempo que não faz fotografia, mas reconhece que a sua visão estética, o “enxergar um pouco mais longe”, foi a fotografia que lhe deu. A loja de discos do pai também tinha uma secção de fotografia e um tio seu foi um grande fotografo, diz. “Eu acabei por ser uma fotógrafa frustrada, nunca fui muito estimulada. Logo a seguir veio a produção, que me seduziu. Eu acho que foi uma coisa do destino porque eu nunca fiz mais nada na vida”.

Lu casou cedo, foi mãe aos 19 anos, mas o seu casamento durou pouco. Criar a filha implicava ter uma profissão, mas “o que eu queria não era um emprego”, recorda. Tinha-se como uma mulher empreendedora e o seu objetivo, mesmo, era criar. Foi acompanhando músicos, artistas, até que um dia disse: “não aguento mais. Estes tipos são uns chatos. Em vez de andar a construir as suas carreiras, vou investir nos meus sonhos, nos meus projetos”. E partiu para outra. “Fiquei um ano parada, quase falida, a estudar as leis, a propósito de incentivos, a pensar, a refletir e depois avancei. E construí o Mimo”.

Lu Araújo havia criado a sua primeira empresa de produção em 1992, a “Lume Arte” e, em 2005, já com muitos artistas e espetáculos produzidos com a sua assinatura, criou a “Lú Produções” que haveria de levar o Mimo a várias cidades do Brasil e conseguido a sua internacionalização com o Mimo Amarante. 

Desde aquele ano, Lu viaja com muita frequência, em contactos para contratar músicos e artistas para os seus festivais (todos com programação diferente e autónoma), participando em congressos, fazendo conferências, ou assistindo a espetáculos.

“Vivo pelo mundo. Nunca me estabeleci em lugar nenhum. Eu jurava que iria morar em Olinda. Procurei casa, pensei em construir, queria ter um lugar para receber os amigos, mas a seguir fui para Ouro Preto e também pensei em ficar lá. Depois veio Paraty, a mesma coisa. Até que eu cheguei em Portugal, e disse: é mesmo aqui. Ainda rateei, ainda demorei um ano e meio, dois anos, para decidir mesmo, mas, agora, eu tenho uma casa no Porto”, afirma Lu, convencida da sua escolha.

O Porto é, de resto, uma cidade pela qual Lu parece ter grande admiração e para onde tem projetos. “Espero vir a fazer alguma coisa no Porto,  Tenho ideias para a cidade. Não será uma réplica do Mimo, mas será na área da música”.

Iniciada a segunda década dos “enta” e com muitas saudades dos dois netos que vivem no interior do Brasil, Lu é perentória: “estou numa fase da minha vida em que tenho que tomar decisões. Fixar-me definitivamente em Portugal é uma hipótese. Até porque eu gostaria de investir noutros projetos, para além da música. Há, na região norte, um potencial imenso em termos de roteiros, de turismo e eu tenho ideias para essas áreas”.   

E como olha a “Senhora Mimo”, do exterior, para o seu país? “Olhar o Brasil de fora deixa-me triste porque vejo um país desencontrado. O povo brasileiro é um povo sofrido, trabalhador, lutador e que quer morar ali, no seu sítio, seja no Sertão ou em qualquer outro lugar.  Politicamente, a gente é muito mal dirigida. São muitos anos de abandono, de tipos que só roubam, que só pensam em destruir. Eles não param o Brasil porque não podem. Eles promovem a burrice das pessoas, não querem que ninguém pense, que seja culto, que tenha educação. O que eles querem é perpetuar a manipulação”.

CONTINUAR A LER

Deixe um Comentário

Pode Também Gostar