O Mosteiro de Santa Clara de Amarante

Pormenor de espaço do Mosteiro de Santa Clara, adaptado a Biblioteca Municipal

No presente artigo (publicado quando se evoca o Dia de Santa Clara, 11 de agosto), por se estar perante um cenóbio de freiras clarissas, a designação mais correcta é a de mosteiro, em vez de convento, habitualmente usada e generalizada a partir do Séc. XIX. Na Europa, o termo mosteiro está também relacionado com as comunidades de religiosas de clausura. Enquanto o ramo masculino da Ordem dos Frades Menores (Franciscanos) designa os seus estabelecimentos de conventos, as Clarissas fazem votos de clausura e os seus edifícios são denominados por mosteiros. 

Breve nota biográfica de Santa Clara e da Ordem de Santa Clara 

Clara Offreducci nasceu em Assis, no ano de 1194, no seio de uma importante família nobre. Durante a sua juventude, recusa dois vantajosos casamentos e aos 18 anos, foge de casa para se juntar a São Francisco, recolhendo-se num mosteiro beneditino em Bastia, a pedido do fundador da Ordem. A família ainda a tenta demover da sua vontade, mas em vão. Pouco depois, juntam-se-lhe outras mulheres, incluindo uma irmã sua e a própria mãe que entretanto, ficara viúva. 

São Francisco instala-as no Mosteiro de São Damião e entrega-lhes uma forma de vida, instituindo assim a primeira comunidade das senhoras pobres (clarissas). 

Da Regra de São Francisco as clarissas sustentavam a sua forma de vida em dois pilares fundamentais: a pobreza e a humildade. No entanto, eram uma via alternativa aos franciscanos, renunciando à acção apostólica e à evangelização, reservadas aos irmãos, em prol de uma espiritualidade mais contemplativa e apartada do mundo, atendendo à sua condição de mulheres, caso pretendessem viver em conformidade com as disposições da Igreja Católica do seu tempo.  

Em 1216, as clarissas obtêm do papa Inocêncio III o privilégio de pobreza que as autoriza a viverem exclusivamente de esmolas, sem qualquer tipo de propriedade ou outros rendimentos colectivos. Ao longo de toda a sua vida, Santa Clara luta pela manutenção destes votos. O seu modo de vida era o mais austero de todas as regras femininas vigentes no seu tempo, e a própria fundadora esteve na linha da frente das contemplativas medievais, sendo considerada a mais autêntica expressão de perfeição evangélica, segundo o próprio Francisco de Assis.

Clara dirigiu a sua comunidade com discrição durante quarenta anos, na maior parte das vezes, com uma saúde muito débil. Diz a tradição que, à noite, aconchegava a roupa às suas irmãs (outras religiosas do mosteiro). Um dia recomendou que não se cometessem excessos de austeridade, «pois os nossos corpos não são de ferro». Após a morte de S. Francisco em 1226, Sta. Clara vive mais 27 anos e viria a falecer no dia 11 de Agosto de 1253, sendo canonizada dois anos depois.

A partir de 1216, a Ordem de Santa Clara vai-se propagando por toda a Península Itálica, Europa Central e Península Ibérica. 

Em Portugal, o primeiro mosteiro de clarissas, surge em Lamego no ano de 1258 e resulta da reunião de algumas mulheres devotas que, a 20 de Fevereiro de 1258, recebem do papa Alexandre IV a sua protecção e a Regra do Cardeal Hugolino, dias depois, confia a comunidade ao cuidado do Ministro Geral e Provincial dos Frades Menores de Portugal/Santiago, a quem deveriam prestar obediência. Em 1258, a igreja do mosteiro ainda não tinha sido construída e como não existia assistência espiritual por parte dos franciscanos[1], a comunidade é transferida para Santarém, cujo mosteiro fica concluído em 1260. No mesmo ano, é instituído o Mosteiro de Santa Clara de Entre-Ambos-os-Rios (Torrão – Marco de Canaveses), transferido para a Cidade do Porto em 1416. O terceiro mosteiro a ser fundado foi o de Santa Clara de Coimbra, actual Santa Clara-a-Velha, em 1286. 

No Séc. XIV, são instituídos os de Vila do Conde, Beja, Guarda e Portalegre e, na centúria seguinte, os de Amarante, Estremoz, Évora, Setúbal, Funchal e um novo na Cidade de Beja.

O Séc. XVI viria a ser profícuo em novas fundações; no entanto, alguns destes novos mosteiros resultam da conversão de algumas casas femininas de Terceiras de São Francisco. A título de exemplo, os de Alenquer, Castanheira do Ribatejo, São Salvador de Évora e Figueiró dos Vinhos, surgindo ainda as primeiras casas nos Açores, nomeadamente o de Nossa Senhora da Luz, Praia da Vitória – Ilha Terceira, em 1512 e o de Nossa Senhora da Conceição de Vale de Cabaços em 1523, Caloura – Ilha de S. Miguel.

No Séc. XVII surgem mais 21 mosteiros, sabendo-se que em 1739, existiam em Portugal 65 cenóbios de clarissas dispersos por todo o país. O Alentejo era a região com maior número de fundações, seguindo-se os Açores e o Entre Douro e Minho. No Algarve, apenas se regista o de Nossa Senhora da Assunção em Faro.  

O triunfo do Liberalismo e os decretos anti-congregacionistas desencadearam o processo de morte lenta dos mosteiros de Santa Clara em Portugal. O último mosteiro a encerrar foi o das Chagas de Lamego, em 1906. 

Em 1925 e 1927, respectivamente, são confirmadas a não extinção do Mosteiro do Louriçal e a do Recolhimento de Lisboa, verificando-se o mesmo na Ilha da Madeira. A partir de então, sucedem-se novas instituições. 

Actualmente existem em Portugal 12 mosteiros de clarissas, nas localidades de Louriçal, Lisboa, Vila das Aves, Monte Real, Montalvo, Fátima, Funchal, Câmara de Lobos, Calhetas, Vila Nova de Famalicão, Santarém e Sintra.

O Mosteiro de Santa Clara de Amarante

O Mosteiro de Santa Clara, localizado em pleno Centro Histórico de Amarante, tem a sua origem a partir de um recolhimento de mantelatas, atribuído à influência da infanta D. Mafalda (1195/96 – 1256), filha de D. Sancho I, entre os anos de 1224 e 1272.

Embora se desconheçam os propósitos em que a sua fundação acontece, a Memória da Casa diz que o recolhimento era constituído por uma pequena igreja e um coro, com quatro ou cinco cadeiras. Exteriormente existia também uma cerca que delimitava uma área bastante exígua. Há ainda referências a um campanário com um sino epigrafado com os seguintes dizeres: «Domina Mafalda Me Facit».

Esta comunidade religiosa de virtuosas mulheres poderá ter estado relacionada com as instituições de caridade, existentes na então Villa d’ Amarante, designadamente as albergarias e a Gafaria de S. Lázaro, mas tudo leva a crer que terão tido um modus vivendi mais contemplativo que, Francisco Xavier Craesbeeck considera ter sido iniciado por influência de São Gonçalo. A corroborar esta forma mais contemplativa, parecem estar algumas disposições testamentárias, nas quais os testamentários doam uma parte dos seus bens às “Donas de Amarante”para ser aplicada em acções de sufrágio pelas suas almas. 

Desta primitiva comunidade religiosa sabe-se que, nos idos de 1333, ingressa na Ordem Terceira de S. Francisco e, nessa condição, terá permanecido até ao ano de 1449, altura em que faz votos na Ordem de Santa Clara. A partir desse momento e à medida que o número de freiras ia aumentando, acrescentavam-se novos edifícios ou se ampliavam os já existentes. Das múltiplas reformas que o mosteiro foi sofrendo, ao longo dos tempos, importa destacar as efectuadas pelos Donatários do Concelho de Gouveia de Riba-Tâmega, D. Martim Afonso de Sousa e sua mulher D. Joana de Tovar, a partir de 1560, para aí instalarem o seu panteão. Anos mais tarde, o Dr. Manuel Cerqueira, capelão régio e mestre-escola da Sé de Évora, agracia a comunidade com um fontanário no claustro, construído entre 1610 – 1620 e edifica uma capela dedicada a São José na nave da igreja, consagrada em Setembro de 1620, onde posteriormente seria sepultado.  

 A normalidade das sorores viria a ser perturbada em 1809, com a iminência da chegada de uma coluna de tropas napoleónicas a Amarante. Esta situação levou a que as religiosas saíssem de Amarante e se precipitassem a pedir refúgio no Mosteiro da Madre de Deus de Monchique, localizado na Cidade do Porto. 

Após a chegada do exército napoleónico, a 18 de Abril desse ano, o mosteiro sucumbe nas chamas ateadas pelo invasor, escapando apenas a sua igreja.

Contudo, este episódio não dita o fim do cenóbio e, logo após, a retirada de Portugal do exército imperial, o mesmo é parcialmente restaurado e a sua comunidade regressa no ano de 1828, depois de alguma insistência entre a regência do reino e as religiosas do mosteiro de Amarante que entretanto, se haviam dispersado pelos Mosteiros da Madre de Deus de Monchique e de Nossa Senhora da Conceição de Braga. À data, uma das religiosas encontrava-se, fora da clausura, a residir nas imediações de Arcos de Valdevez. 

Em 1833, com a proibição de novas admissões à vida consagrada, inicia-se o processo de extinção do mosteiro, que viria a consumar-se no ano de 1862, com a retirada da sua última religiosa, a Madre Ana Augusta de Lacerda Castelo Branco, para o de Santa Clara do Porto, onde viria a falecer.  

Depois de encerradas as portas, Santa Clara de Amarante é vendido em hasta pública e adquirido por um rico proprietário local que, a pouco-e-pouco, o vai transformando numa casa solarenga, a Casa da Cerca. 

Em 1993, e depois de ter praticamente perdido a traça monástica, os edifícios são adquiridos pela Câmara Municipal de Amarante com o intuito de os destinar a biblioteca e arquivo municipais. Com as obras de adaptação a estas novas funcionalidades, inicia-se também o processo de descoberta e de recuperação da memória do mais antigo mosteiro da cidade, tendo, neste âmbito e depois de uma primeira fase de trabalhos arqueológicos, entre 1997 e 2003, realizado duas novas campanhas de Arqueologia, uma em 2015 e outra em 2017.  

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[1] – Os conventos mais próximos estavam localizados nas Cidades do Porto e na Guarda.

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