As mãos e o equilíbrio

Tenho uma surpreendente memória das mãos de quem amo. Mesmo daqueles que há muito partiram.

Mãos esguias, mãos sapudas, mãos rugosas, mãos macias, calejadas, cuidadas, de pedreiro ou de pianista, as nossas mãos são o retrato do que somos ou gostamos de parecer.

Houve um tempo em que as mãos abençoavam (“A bênção, padrinho!”, “Deus te abençoe, meu filho.”), e sempre houve quem lavasse as suas mãos do que não se pode lavar…

Mas há também quem não tenha medo de sujar as mãos e de as meter à obra, quem não tenha medo de construir, fazer e refazer, melhorar, reforçar, ajudar. Recordo as mãos de minha avó paterna que, órfã de mãe, começou a amassar o pão para a família aos oito anos; apesar da idade que o tempo lhes trouxe, foram sempre de criança, roliças, redondas e aconchegantes. As mãos de meu pai, de longos dedos firmes, eram a garantia do trabalho bem feito, a segurança que desvanecia qualquer dúvida. Eram a autoridade que não consentia abuso e o reconforto que apontava os erros na resolução daquele problema matemático que falava de tempo e de tanques vazios que se enchiam com água vinda não sei de onde para não sei o quê (como seria melhor provar água a contá-la e medi-la!).

É nessa harmonia (ou na sua ausência) entre o indicador vibrante, que nos faz tremer, e a mão generosa, que ajuda a corrigir o erro escondido, que se ajuda a crescer. É nessa harmonia (ou na sua ausência) traduzida em gestos e atitudes que se ajuda a aprender. Na escola, o professor de dedo ameaçador foi sendo substituído, muitas vezes, pelo professor de mão amiga, prolongamento de uma família demasiado permissiva, em casas onde se deixa passar a mensagem de que os caminhos não são balizados e que, aliás, esses caminhos pouco importam, o “foco” é o resultado.

O professor é, de facto, a mão amiga que afaga, puxa ou empurra, sugere, acompanha, ouve e aplaude. É o professor mediador, facilitador, que, para além disso, procura conhecer aquelas dezenas seres em construção, todos eles diferentes e repletos de contradições, de dúvidas e de certezas. Mas é também a mão que se fecha quando o que deu foi sucessivamente desperdiçado ou rejeitado, que manda parar quando se exige reflexão e ponderação, que corrige e sugere novos caminhos, que repreende quando há excesso ou displicência.

É no equilíbrio e, como foi dito, na busca de harmonia entre esses pólos que o professor, tateando, experimentando, fracassando e recomeçando, constrói um caminho, infelizmente quase sempre incompreendido e desvalorizado, quando se trata das mais nobres profissões que o ser humano pode exercer.

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