Ana Moura: “Tenho saudades de Amarante”

O pai de Ana Moura nasceu no Borralheiro (Vila Chã), onde a avó ainda mora e a fadista passou, em miúda, largas temporadas. Desses tempos, Ana recorda as idas ao rio, com as primas, as longas tardes na água, o andar livremente pelo campo e levar o rebanho de ovelhas da avó a pastar. E a sensação de enorme liberdade que tudo isso dava. Durante muitos anos, as Páscoas da família eram passadas em Amarante e Ana não perdia uma. Os seus pais continuam a celebrá-las cá, mas, agora, Ana raramente consegue vir, visitando, no entanto, a avô sempre que lhe é possível. No verão de 2007, Ana Moura deu um concerto em Amarante e confessa que esse foi um dos espetáculos mais emotivos da sua carreira. A avó estava na primeira fila. Nove anos depois, conversou com AMARANTE MAGAZINE.

Em Amarante também seguimos com atenção a sua carreira. Tem a noção disso?
Obrigada, que bom! Eu tenho uma ligação afetiva muito grande a Amarante. Ainda estive aí há relativamente pouco tempo…

Na Páscoa? A primeira vez que falei com a Ana, disse-me que durante muitos anos passou a Páscoa em Amarante, em casa da avó.
Não, este ano, com pena minha, não fui na Páscoa. Os meus pais foram, mas eu não consegui ir. Com a vida louca que agora tenho, é-me muito difícil conciliar a minha vida privada com espetáculos, concertos, promoções de discos… Mais tarde, consegui arranjar um fim de semana para visitar a minha avó e fui a Amarante.

Na sua infância passava cá algumas temporadas. Tem saudades de Amarante? Que recordações guarda?
Sim, tenho muitas saudades. A minha avó vive numa casa junto ao rio e lembro-me muito bem de, com o meu irmão e os meus primos, passarmos longas tardes na água, em plena liberdade. Aliás, a mais grata memória que tenho de Amarante e do Borralheiro é, exatamente, a de uma liberdade fantástica, que não tinha na cidade. Adorava, por exemplo, andar livremente pelo campo e levar a pastar o rebanho de ovelhas da minha avó. São vivências inesquecíveis que me trazem muitas saudades de Amarante.

O seu último álbum chama-se “Moura”. Porquê? A escolha do nome tem a ver com as suas origens, com reminiscências do seu passado? A pequenita Moura que passava férias em Amarante também está aí?
O nome “Moura” foi dado ao álbum por variadíssimas razões, mas obviamente também tem a ver com o meu nome, com as minhas origens. Aliás eu fui pesquisar sobre o nome Moura e encontrei várias semelhanças com o contexto da mensagem deste disco. Que era a vontade de eu própria me reinventar, de não ficar presa à estética musical de trabalhos anteriores, de arriscar e me sentir bem com isso. A ideia que está por detrás deste disco é a ideia da metamorfose, daí a capa do disco ser uma borboleta. Do estudo que fiz sobre o nome Moura, deparei-me com as mouras encantadas, criaturas que, também elas, tomavam diversas formas, transfiguravam-se… Ora, achei que tudo isto estava interligado e concluí que “Moura” seria o nome perfeito para representar a nostalgia que pretendia simbolizar com este disco.

A Ana nunca teve nenhuma proposta para cantar autores, poetas ou compositores de Amarante?
Não, nunca tive. Eu tive foi muita vontade, confesso, de pôr a viola amarantina no disco. E esteve quase para acontecer num tema escrito pelo Pedro Abrunhosa, que se chama “Agora é que é”. Só que, como o álbum foi gravado em Los Angels e tivemos alguns problemas de timings, acabou por não acontecer. Mas o meu desejo de ter a viola amarantina num dos meus trabalhos mantém-se e logo que seja possível isso acontecerá.

Neste momento a Ana está a cantar autores do Norte do país. Para além do Pedro Abrunhosa, o Miguel Araújo e o Carlos Tê…
Exatamente, com temas que foram beber ao universo dos nossos “malhões”, como o “Fado dançado”, do Miguel Araújo, e que têm o sabor da música folclórica do norte de Portugal. De resto, devo dizer que, quando o meu produtor, Larry Klein, esteve cá, em Portugal, andamos os dois a pesquisar sobre instrumentos tradicionais e formas de os tocar e acabámos por fazer refletir as nossas aprendizagens no disco.

Em 2007, já lá vão nove anos, a Ana deu um concerto em Amarante. Que memória tem desse espetáculo?
Foi muito emotivo. Cantei com a igreja do Convento de S. Gonçalo em fundo, o que teve para mim um significado muito especial. Visitar o Largo de S. Gonçalo, a igreja e tomar o pequeno almoço no café em frente, era algo obrigatório, que fazia, em miúda, com os meus pais, nas nossas visitas a Amarante. Cantar aí, nesse ambiente incrível, uns anos depois, foi uma coisa mágica.

Com a família da plateia…
Sim, com a minha avó na primeira fila.

A carreira da Ana tem sido um crescendo continuo, de muitos êxitos, mas há alguns momentos que costuma salientar, como os encontros com os Rolling Stones e Prince.
Sim, foram encontros importantíssimos e que marcaram e determinaram, de algum modo, o rumo da minha carreira, já que as colaborações que tive com eles despertaram em mim uma grande vontade de descobrir novas sonoridades e de querer explorar o universo da música, independentemente de ser fadista. Acho que a minha condição de fadista não me deve condicionar, impedindo-me de partilhar e explorar outros géneros, sobretudo com músicos que são referencias únicas e fundamentais. Infelizmente já não vai ser possível, mas eu tinha um projeto com o Prince, que passava por juntarmos o fado e a soul music, que tem também a particularidade de ser uma música de alma. O “Desfado”, que é um disco muito arriscado, onde introduzimos novos instrumentos e sonoridades, é um pouco o reflexo destas vivências e parcerias.

Os chamados “puristas” têm aceitado bem o toque pop ou soul que deu a alguns dos seus fados, por exemplo em “Desfado”?
O “Desfado” foi um disco libertador… Sim, foram-me dirigidas algumas críticas, sobretudo por parte daqueles que integram o que eu chamo “o núcleo puro e duro”. Curiosamente, passado algum tempo do seu lançamento, eram muitos os testemunhos que davam conta de que o que se ouvia nas ruas e nos bairros típicos de Lisboa era o “Desfado”. Claramente, o disco foi uma aposta vencedora e a verdade é que a nova geração de fadistas está a seguir o mesmo caminho. O Carlos do Carmo disse-me, um dia, que o “Desfado” poderia ser a génese de um novo movimento do fado e parece que é mesmo isso que está a acontecer. Muita gente nova, muitas miúdas que estão a começar a sua carreira, cantam os meus fados nas casas de fado onde trabalham.

A Ana defende que o fado não tem que manter a matriz do tempo da Severa e que pode evoluir.
Exatamente. Tudo tem uma evolução natural e o fado não é exceção. E as pessoas não são acriticas e percebem quando o nosso trabalho é feito com verdade e autenticidade. É isso que torna os projetos vencedores. Não é por acaso que o “Desfado”, que já foi publicado há mais de quatro anos, se mantém nos primeiros lugares do top, juntamente, de resto, com o “Moura”, o que me deixa extremamente feliz. Aliás, deixe-me dizer-lhe que quando a Amália começou a cantar, fazendo a sua própria interpretação do fado, também houve, na altura, quem considerasse que ela o estava a desvirtuar. O resto da história, nós conhecemo-la.

Com uma carreira tão pujante como a que tem, com toda a projeção que conseguiu, o que é que mudou na vida pessoal da Ana, relativamente ao tempo em que cantava no “Senhor Vinho”?
Enquanto pessoa, eu diria que a mudança maior que se operou em mim tem a ver com a segurança. O meu percurso tem sido feito de muitas tournées, tenho viajado imenso, sempre com muita aceitação, os meus discos têm sido muito bem recebidos e tudo isso trouxe-me a segurança de que necessitava para poder dar o meu melhor. No resto, acho que me mantenho a mesma pessoa, com igual personalidade. Continuo a ter e a preservar as minhas amizades de sempre e a ser fiel às minhas raízes.

Ainda canta, de vez em quando, em Casas de Fado?
Gostaria imenso, tenho muitas saudades, mas há já muito tempo que não o faço. Quando não estou em espetáculos, tento ficar “no meu canto” a recuperar, a descansar. Depois, em algumas dessas casas ainda se fuma e as minhas cordas vocais ir-se-iam ressentir. Tenho imensos concertos por ano e, por isso, devo ter as preocupações que têm os atletas de alta competição. As cordas vocais são os meus músculos…

Regressemos a Amarante. Eu posso escrever que, no próximo disco, a Ana vai incluir a viola amarantina em um ou mais dos seus temas?
Eu quero muito que isso aconteça. Não faz ideia o quanto fiquei triste pelo facto de a viola amarantina não ter entrado em nenhuma das músicas do “Moura”. E confesso que tenho imenso receio de que alguém a use antes de mim. Quero que a viola amarantina faça parte da minha banda sonora.

As referências que a Ana tem de Amarante estão na sua infância, como já disse. Nunca lhe apeteceu revisitar Amarante e, eventualmente, conhecer melhor as idiossincrasias locais a história do Município?
Já me apeteceu muito, sim. A carreira tem-me deixado pouco tempo para a minha vida privada e isso leva-me a ir adiando algumas coisas que continuo a querer fazer. No próximo ano terei mais tempo livre e aí Amarante será uma das minhas prioridades. Tenho um projeto, juntamente com o meu pai, de construir aí uma casa e produzir um vinho amarantino. A minha família já produz e, sempre que recebo algum estrangeiro, sirvo desse vinho e as pessoas ficam maravilhadas. A minha ideia é, portanto, ter aí uma casa, que possa abrir aos meus convidados e mostrar-lhes o que é genuíno de Amarante, seja a comida ou o vinho ou a sua cultura. Há dias, fiz um roteiro para o Rodrigo Amarante, que mora nos Estados Unidos e é um talentoso músico brasileiro da nova geração, que queria passar uns dias em Amarante. O nome vem-lhe do avô, também Amarante, que, provavelmente, tem aí as suas raízes.

E a Ana, quando vem cá, anda anonimamente em Amarante ou é interpelada na rua?
Sou interpelada, sim. As pessoas são muito simpáticas, vêm ter comigo, pedem-me uma fotografia…

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