Passes para deficientes: Rosa Lemos reage com “indignação e perplexidade”

Rosa Lemos, deficiente motora, ex-Presidente da Delegação de Amarante da Associação Portuguesa de Deficientes, reage à criação, pelo Município, de “passes gratuitos para deficientes”, medida que deixa de fora os deficientes motores, pelo facto de os autocarros que fazem os transportes na “rede municipal” não estarem dotados de plataforma elevatória ou rampa de acesso!

Rosa Lemos nasceu em Figueiró, Amarante, há 44 anos. Quando tinha 32 foi atirada para uma cadeira de rodas, em consequência de uma doença degenerativa que lhe reduziu drasticamente a mobilidade. A mesma doença que a obrigou a abandonar a Licenciatura em Ciências da Comunicação, na Universidade do Porto, cujas instalações tinham demasiadas barreiras para a sua nova condição de “deficiente”. Uma simples ida à casa de banho transformara-se em algo muito complicado, quer em termos de acessibilidade, quer pela inexistência, na Faculdade, de WC adaptados.

Estava no segundo ano do curso, desistiu de o continuar e iniciou aí uma luta pela sua própria mobilidade, tendo estabelecido um objetivo preciso: tal como as pessoas sem deficiência, Rosa Lemos quer poder aceder a serviços e edifícios públicos autonomamente, sem quaisquer ajudas; poder atravessar ruas em passadeiras que não vão de encontro a passeios intransponíveis; dispor de rampas com inclinações adequadas para cadeiras de rodas; poder aceder a casas de banho adaptadas; transpor portas com larguras pensadas para casos como o seu; ser atendida em balcões apropriados; poder entrar em lojas para comprar roupas, sem ter que pedir que lhas levem a casa para experimentar; poder aceder a caixas multibanco, ir a supermercados e restaurantes, ao cinema e ao teatro. E andar de transportes públicos.

Foi, há quatro anos – era, então, Presidente da Delegação de Amarante da Associação Portuguesa de Deficientes -, uma das protagonistas de duas reportagens efetuadas por AMARANTE MAGAZINE (ver aqui e aqui) que, genericamente, questionavam sobre se “Amarante é uma cidade inclusiva”.

Na sequência de notícia de Amarante Magazine (ver aqui) sobre a criação, pelo Município, de “passes gratuitos para deficientes, com incapacidade igual ou superior a 60 por cento, em todas a rede municipal, incluindo os transportes urbanos VIA”, que deixam de fora os deficientes motores que se deslocam em cadeiras de rodas (já que os autocarros não dispõem de plataforma elevatória ou rampa de acesso), convidamos Rosa Lemos a dar a sua opinião sobre o assunto. O texto que se segue é de sua autoria.

Indignação e perplexidade

A disponibilização de “passe gratuito para cidadãos com incapacidade igual ou superior a 60 por cento, válido em toda a rede municipal de Amarante” insere-se na aplicação do PART – Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos, o qual é regulado pelo Despacho n.º 1234-A/2019 de 4/02/2019 e, como é obvio, é uma excelente medida que visa proporcionar mobilidade a quem, em muitas circunstancias, se encontra encerrado (para não dizer encarcerado) nas próprias habitações; mas será que esta medida foi pensada para todos?

Sabemos, á partida, que nenhum dos autocarros em circulação ou que virão a circular nas carreiras abrangidas por este passe se encontra equipado com plataforma elevatória ou rampa de acesso para pessoas com mobilidade reduzida e que naturalmente terão mais de 60% de incapacidade. Não será isto um indicador de que a medida que na base parecia interessante se torna discriminatória?

Pois bem, sendo eu uma pessoa com deficiência com 60% de incapacidade e deslocando-me em cadeira de rodas, tenho a noção de que as pessoas com mobilidade reduzida são as que mais dificuldade têm em ter uma vida social e até laboral mais ativa. Esta medida, pensada desta forma, vem mais uma vez mostrar as fragilidades do Município no que ao plano das acessibilidades e apoio à inclusão diz respeito.

Perante esta realidade, somos levados a concluir que o executivo autárquico, desconhece as condições de operação das empresas de transportes com as quais contratualizou os seus serviços ou que, sendo ainda mais grave, o Município, conhecendo a realidade da rede e dos meios de transporte, decidiu esquecer propositadamente os munícipes com mobilidade reduzida em cadeira de rodas. Quer num caso, quer no outro, a notícia agora divulgada provoca um conjunto de sentimentos que vão desde a revolta à indignação, sensação esta comum e, por consequência, partilhada por todos aqueles que, diariamente, se veem confrontados com múltiplas barreiras e impedidos do exercício de uma cidadania ativa.

Mas se a notícia em si nos provoca indignação, quando lemos que, confrontada com esta nota dirigida à Imprensa pelo Município de Amarante, “a delegação de Amarante da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), através do seu Presidente, Serafim Files, solicitado a comentar o assunto, considerou pertinentes as questões e fez saber que, em breve, não ele, mas “toda a Direção pronunciar-se-á”, ficamos perplexos.

A perplexidade decorre do facto de face a uma notícia destas, a APD Amarante não ter, de imediato, qualquer opinião. Ou seja, vão pensar sobre o assunto!…não têm opinião!… precisam de meditar!…necessitam de reunir e refletir para opinar!…

Finalizo com o lema que nos deveria guiar, sempre … “NADA SOBRE NÓS, SEM NÓS”

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